VOCÊ TEM FOME DE QUÊ?



Sempre gostei da sensação de ver um filme que não sai da cabeça. Você vai dormir pensando nele, acorda pensando nele, fala dele para todas as pessoas, lê sobre ele, respira ele. Quando um filme causa esse efeito em mim, imediatamente se torna um favorito absoluto, nada vai tirá-lo dessa glória. Recentemente assisti RAW e fiquei assim, num estado de felicidade e perturbação, querendo falar desse filme para qualquer pessoa minimamente disposta a ouvir. Que filme! 

Raw é criação da francesa Julia Ducournau, causou sentimentos intensos quando foi exibido no Festival de Toronto em 2016, levando algumas pessoas a desmaiarem enquanto assistiam ao filme. Claro que quando essa notícia bombou eu fiquei louca para ver o tal filme que deixou uma galera mal, porém na correria dos dias e diante de uma variedade enorme de filmes que sou louca pra ver, Raw foi esquecido. 

Por sorte, me lembrei dele e do seu histórico outro dia enquanto passeava no catálogo da Netflix, nem pensei duas vezes e me joguei. Que experiência maravilhosa! E não, eu não desmaiei, nem passei mal, tampouco achei forte o suficiente para tanto. É um filme intenso, extremamente incômodo, perturbador... e não foi feito para os sensíveis. Mas é um filme incrível do começo ao fim. A paleta de cores me deixava incomodada, a forma como os personagens agiam me deixaram louca da cabeça, o avental que eles usavam... AAAAA. Tudo ali incomodou e eu simplesmente amo isso. 

Acompanhamos a história de Justine, uma jovem que acaba de ingressar na faculdade de veterinária, mas logo nos seus primeiros dias já acontece algo que vai transformar a personagem para sempre: em um dos trotes ela é forçada a comer carne crua. Ah, e ela é vegetariana. Meu amigo, você nem sonha o que irá acontecer com essa guria depois disso! Ela descobre uma fome intensa dentro dela, algo profundo e assustador. Não quero entrar em muito detalhes, mas acho importante dizer que envolve canibalismo. 

Essa transformação da personagem me deixou passada, no chão. Que atriz magnifica! Ela transmitiu de forma perfeita tudo o que a personagem sentia, ela encarnou essa transformação e se entregou intensamente para aquilo. Sério, fiquei chocada com a atuação da Garance Marillier, é fora do comum. Ô bicha danada essa atriz. O contraste das cenas antes dela comer carne crua com as cenas que se desenvolvem depois... mano do céu, é intenso e incrível demais. O rosto da atriz se transforma, o olhar muda completamente. É um trabalho lindíssimo e só pela atuação da Garance já vale a pena o filme todo. 

Mas calma lá, Raw não exibe cenas fortes à toa. Tudo parece ter sido pensado e criado com uma atenção digna de grandes obras, conseguimos enxergar grandes questionamentos diante das atitudes dos personagens e cenas bizarras. O próprio poster carrega um questionamento interessante: você tem fome de quê? A Justine, uma jovem inocente e angelical, acaba indo parar em um lugar onde animais são abertos sem delongas e o sangue parece que ser um companheiro permanente. Ela não mais se vê como uma jovem inocente, muito menos angelical. Esse choque que todos levamos junto com a personagem diz muito, demonstra a passagem dolorida entre a adolescência e a vida adulta. E a fome incontrolável que cresce dentro da Justine também pode representar muitas coisas. É um filme cheio de significados e possibilidades de interpretações. 

Ao meu ver, o filme é sobre mudanças, transformações. Dá pra olhar para dentro e pensar sobre nós mesmos, dá para olhar pra fora e refletir sobre os caminhos alheios e como eles podem nos ajudar com o nosso próprio caminho. A Justine me fez pensar na minha transformação. Me transformei em quê quando cresci? O que aconteceu comigo nesse caminho todo? Quais foram as minhas escolhas? No quê estamos nos transformando? Estamos em constante mudança, isso é fato, e fomos apresentados a um mundo sujo, errado e incômodo. O que fizemos disso? Nem todos nós nos transformamos em canibais - ainda bem -  mas sempre há alguns desvios, sempre tomamos uma rota que nos faz sofrer. E tudo bem, a vida é assim. Porém, é sempre importante lembrar que nem tudo são rosas, nem sempre a felicidade reina, mas podemos sim deixar nosso mundo menos incômodo, menos sujo e menos errado. 

 Agora a pergunta que não quer calar: você tem fome de quê?



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