Algumas alucinações

 

o sonhador, Adriana Varejão, 2006

Escrevo às 3h da manhã. O tempo anda tão esquisito. O tempo fora do tempo e tão absurdamente dentro/preso no tempo. Tempo-escultura. Duas semanas atrás tive uma dor intensa no abdômen, era a vesícula, eu já sabia. O que não sabia era que ela poderia doer daquele jeito. Muito tola, achava que entendia alguma coisa sobre dor.

Tive que fazer uma cirurgia de emergência - um susto - fiquei dois dias no hospital e fui liberada. Lar doce lar, mas não tão doce - estava péssima. Acabei voltando ao hospital e lá fiquei por mais 4 dias, passei a páscoa com os enfermeiros. 

Ali vivi experiências das quais estava louca pra escrever. A questão é simples: alucinei. Não sou muito propensa à alucinações, quer dizer, alucinar alucinar acho que vivo alucinando, mas remédios me dão muito sono e normalmente eu durmo feito um bebê e ponto final. No máximo, tenho uma dor de estômago depois e me sinto um lixo, mas normalmente os remédios não me causam nada mais do que isso. Nunca tinha alucinado assim - tanto.

Dessa vez fiquei bem acordada, ou ao menos acho que fiquei acordada, simplesmente não era capaz de diferenciar o que era real ou não. Mesmo de olhos fechados, via tudo - o quarto - tão nítido como se estivesse com os olhos abertos. Em um momento, não sabia dizer se estava com olhos abertos ou fechados. Vi grandes sombras rápidas e lentas passeando pelo quarto, sombras humanas e não-humanas. Vi um mundo azul que me lembrou Picasso e Yves Klein. 

Essas foram tranquilas e curti a viagem, mas teve um dia que meus pensamentos ficaram duplicados. Não sei quanto tempo durou, mas foi uma das coisas mais bizarras que me aconteceram. Não se pode viver pensando duplicado, minha cabeça virou um grande eco de mim mesma. Queria que aquilo acabasse queria que aquilo acabasse queria que aquilo acabasse.

Em algum momento acabou, mas até lá pensei que teria que pedir intervenção psiquiátrica ou surtaria de vez. Lembro de ficar olhando para o teto branco, pensando o que me aconteceria dessa vez se os enfermeiros trouxessem novamente aquela medicação.

Agora estou melhor, em casa, me recuperando ainda. Minha nova meta de vida é nunca mais precisar de nenhuma cirurgia. Dessa experiência toda, o que ficou foram dores - muitas - e algumas alucinações.

parede com Incisões a la Fontana, Adriana Varejão, 2000

 

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