Becos da memória

 


Esse livro agora ocupa o centro do meu coração. “É preciso crer, é preciso desesperadamente crer.”

Um livro que dança com as memórias, que planta histórias dentro da gente e nos faz conhecer e reviver tanta coisa, ouvir tantas vozes. E que vozes! Faz a gente rir e depois chorar, faz a gente cantarolar belas canções pensando na vida. Esse livro tem uma coisa muito bonita: ele faz a gente enxergar e escutar o outro.

“Becos da memória” foi escrito na década de 80, mas só foi publicado em 2006. O que mostra a imensa dificuldade de pessoas negras e pobres circularem em certos espaços. Imagina uma obra dessa na gaveta por tanto tempo! Imagina o tanto de outras obras incríveis criadas por pessoas negras não ficaram (e ainda ficam) na gaveta. Ao longo dessas quase 200 páginas vamos caminhar pelas vielas da favela, vamos visitar alguns barracos e conhecer alguns moradores e suas histórias. Tudo é realidade e tudo é ficção.


Conceição Evaristo escreve com uma sensibilidade e uma força poética que enche o coração com uma nova energia, uma escultora das palavras, é impossível desviar os olhos. Ela cria retratos tão bonitos, precisos e preciosos. Era isso uma das coisas que pensava enquanto carregava esse livro pra lá e pra cá: que preciosidade!

O desfavelamento acontece enquanto os moradores da favela vivem suas vidas cheias de miséria, de dor, de fome e angústias, mas também de pequenos prazeres, de sorrisos, de amor. Essas pessoas, essas histórias, terão de partir dali. Pra onde ir? O que fazer? O que será de nossas vidas? A vida não pode ser só isso, não, Deus está do nosso lado, eles pensam. “É preciso crer, é preciso desesperadamente crer.”


A memória tem um lugar lindo e forte nessa narrativa: os personagens relembram, contam histórias de seus antepassados, revisitam suas memórias novas e antigas. E a pequena Maria-Nova está ali, muito atenta, prestando atenção em tudo e em todos. Ela absorve a vida de um jeito único, e ela escreve.

Escrever como forma de resgatar e revisitar memórias é o que a Conceição Evaristo chama de escrevivências. Escrevivência é sobre escrever, viver, se ver, é sobre mulheres negras contando suas histórias, resgatando suas memórias, aumentando suas vozes, denunciando as violências sofridas.

Escrevivência é sobre incomodar.

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